Polêmica faz sucesso e agrada muito, especialmente se faz a audiência se sentir mais esperta e irrita a oposição ao ponto de fazer as pessoas discutirem de maneira agressiva. Recentemente assisti a um vídeo intitulado “Como a religião prejudica o Brasil” [1], bastante popular no Youtube apesar de deficiente em conteúdo e argumentação: basicamente, o que o autor faz é pegar o que há de pior vindo de alguns supostos religiosos, extrapola para todos e monta um argumento baseado nisso. Tática relativamente comum, muito usada por Christopher Hitchens, porém de pouco sucesso nos seus debates, pois os religiosos presentes não se encaixam no perfil espantalho criado por ele.
Não obstante, lidarei com um dos argumentos utilizados, baseado em um comentário postado no site da revista Sciam [2] e ainda com esse comentário na descrição do vídeo:
“Estudo do Centro de Saúde da Universidade Duke (EUA) concluiu que o hipocampo de pessoas religiosas diminui com o tempo, de forma similar com o que ocorre com o cérebro de portadores do Mal de Alzheimer.”
E como não poderia deixar de ser, repleto de comentários do tipo “claro, crentes são uns burros mesmo”, “isso eu já sabia”...
Mas será? A ideia aqui é analisar o artigo e ver se realmente esse é o caso. Veremos que nem sempre a propaganda corresponde ao produto (caso do vídeo no Youtube) e também que não devemos deixar de questionar certas pesquisas publicadas em periódicos profissionais, pois isso não é garantia de qualidade, muito menos de objetividade. Assim, vamos ao que interessa.
Religião é algo assim tão ruim para o cérebro?
A referência indicada sobre esse estudo foi o comentário publicado no website da revista Scientific American (Americana) de Março de 2011 [2]. O autor do comentário, Andrew Newberg, em outra publicação mais recente e no mesmo website comenta sobre as diferenças entre os cérebros das pessoas ateístas e os das pessoas teístas [3], no qual ele afirma, por exemplo, que pessoas que meditam ou oram por muitos anos têm mais tecido cerebral e atividade nos lobos frontais, que têm funções relacionadas a linguagem, inteligência criativa [4] e pensamento abstrato [5]. Outra possível diferença seria a de que os crentes têm também níveis mais altos de dopamina, que por sua vez poderia aumentar a atenção e a motivação. A dopamina também está envolvida no pensamento abstrato e o planejamento em longo prazo [6]. Essas mudanças não parecem ser negativas ou capazes de prejudicar o Brasil.
Porém, Newberg deixa claro que esses estudos correlacionais são inconclusivos e inclusive no próprio comentário é mencionado que, na prática, aparentemente, os experimentos mostram que crer em Deus causa mudanças similares e ativa as mesmas partes do cérebro responsáveis por pensar em qualquer outra coisa. E nisso eu arrisco dizer que crer que ele não existe também entra no pacote, afinal de contas, vários ateus têm como divindade as leis naturais ou o próprio universo (ou eles mesmos...). Mas enfim, há uma ampla gama de estudos apontando que a religião tem vários efeitos positivos e em graus variados na saúde mental [7 – 9 indicam vários] e se infere que os efeitos positivos superam os efeitos negativos. Será que isso é algo ruim ou capaz de prejudicar o Brasil?
Metodologia da pesquisa
No tocante ao artigo mencionado pelo crítico, de autoria da Dra. Amy Owen e colegas, a estrutura cerebral analisada foi o hipocampo, cujas funções estão relacionadas, dentre outras coisas, ao aprendizado e a memória . Os autores argumentam que a atrofia dessa estrutura pode levar ao desenvolvimento de depressão e demências na velhice, logo, é interessante identificar possíveis fatores capazes de causar atrofia hipocampal.
A metodologia utilizada foi a análise de imagens dos cérebros de um grupo de 268 pessoas de 58 anos de idade ou mais, durante novembro de 1994 e janeiro de 2005. As imagens foram obtidas de dois em dois anos por ressonância magnética (MRI). Além das imagens, também foram coletados dados sociais:
- Frequência na atividade religiosa, pública ou privada (pra adiantar, de acordo com os autores, esse fator não influenciou no tamanho do hipocampo).
- Se o indivíduo era membro de algum grupo religioso.
- Se era convertido, ou seja, se passou pela experiência de “aceitar Jesus”, ou algo assim.
- Se já teve alguma experiência marcante que mudou sua vida.
- Nível de estresse experimentado nos últimos seis meses antes de se obter a MRI.
- Se era depressivo.
- Sobre suporte social, em termos de relacionamentos (amizades e afins).
Os resultados e a interpretação dos autores:
Os resultados destacados foram os de que, as pessoas que já passaram pela experiência de conversão, mais notadamente no grupo dos “protestantes”, apresentaram os menores hipocampos. Para explicar esses resultados, os autores afirmam que a redução é causada por estresse cumulativo no hipocampo: eles assumem que alguns fatores religiosos estejam causando estresse e promovendo a liberação de glicocorticoides, como o cortisol, que por sua vez torna o hipocampo mais suscetível aos danos diversos, por isso diminuiu mais. Também afirmam que esse estresse pode ser causado pelo surgimento de dúvidas em relação às convicções previamente não questionadas, e que a conversão poderia causar algum tipo de distúrbio na estrutura social na qual o indivíduo está inserido. Podemos sintetizar que, de acordo com os autores:
Interpretação alternativa:
Se por um lado a parte técnica da pesquisa é digna de respeito, por outro, a interpretação dos dados obtidos é falha, ou pelo menos muito suspeita. A mim, parece haver algo meio nebuloso ou oculto nessa pesquisa. Pode se mostrar, de acordo com os próprios dados deles e o que já foi mencionado sobre os efeitos das religiões nas mentes e cérebros, que uma interpretação alternativa e melhor seria a seguinte:
Em primeiro lugar, os próprios autores afirmam que uma das desvantagens da amostra é a de que era composta principalmente de Cristãos protestantes do Sudeste americano. O que não falta ali são justamente Cristãos protestantes, logo, dificilmente o ato da conversão iria causar algum distúrbio em estruturas sociais ao ponto de causar tanto estresse no indivíduo.
Segundo, se questionar convicções realmente pode levar à diminuição do hipocampo, qualquer tipo de conversão trará esse tipo de problema: de conservador à liberal, de marxista à capitalista, de teísta à ateísta e etc. Não somente isso, mas dificilmente um convertido ao Cristianismo enfrentará esses problemas de questionamento de convicções, pois normalmente, o que vemos é a pessoa aderir com facilidade à nova crença, visto que aceitou aquilo, justamente como uma solução para algum problema que enfrenta ou como explicação melhor para a realidade. Inclusive, também é bom notar que, quando o sistema religioso não se encaixa muito com aquilo que o fiel deseja, a tendência é moldar a crença de acordo com a conveniência. Duvida? Hoje em dia há igrejas pra todos os gostos, dos mais conservadores até as igrejas de pastores homossexuais.
Em terceiro e principalmente: como pode o ato de conversão causar tantos problemas se a frequência nas atividades religiosas não faz diferença? De acordo com os autores, o fato de ser depressivo ou não e a frequência nas atividades religiosas não teve efeito no tocante à diminuição do hipocampo. Isso faz com que, se a interpretação dos autores estivar correta, o ato de conversão tenha poderes quase que mágicos e destrutivos, um sujeito que aceitou Jesus e frequenta fervorosamente uma igreja todos os dias, ou que tira seu momento em casa diariamente, estaria no mesmo grupo de outro, que disse que aceitou, e eventualmente participa de alguma coisa que tenha a ver com religião.
Por último, e essa informação é proveniente da vivência com o grupo: é comum que pessoas sofrendo de ansiedade, estresse, depressão e afins busquem respostas na religião, daí as conversões e alguns pesquisadores fazerem associações de causa e efeito entre religião e problemas [7]. Os locais ou momentos de religiosidade não são o que costumam causar estresse, mas sim, trazer alívio. Duvida? Faça o teste, escolha algumas igrejas e faça uma pesquisa como observador participante, pode até ser uma dessas igrejas notoriamente picaretas, é muito comum ver vários líderes religiosos focando excessivamente em mensagens de autoajuda.
Concluindo:
Muitas religiões ou religiosos, ou melhor: “religiões e religiosos”, podem mesmo trazer problemas diversos, inclusive para as finanças. Porém, fazer afirmações generalistas sobre o suposto ato da conversão ou que a religião é ruim pro Brasil não é algo que se sustente com firmeza fora da opinião subjetiva e pessoal, especialmente porque algumas pesquisas apontam para o contrário. A interpretação dos dados da pesquisa, por parte da Dra. Amy Owen parece pouco objetiva. Como já havia mencionado, pode ser que haja algo a mais nesse caso, inclusive porque na página pessoal da autora [12] lemos que “A Dra. Owen gosta de falar ao público, tanto do púlpito quanto do pódio sobre o perdão e a espiritualidade e a saúde”. Estranho não?
Tendo em vista esses fatores, creio ser mais viável interpretar os resultados de maneira alternativa: o estresse causa diminuição do hipocampo, como já se sabia, e também pode levar as pessoas às religiões.
Infelizmente, a maioria dos ateístas militantes não teve interesse em investigar o assunto, ou seja, exercer o ceticismo de maneira adequada. Isso pode ser ruim para o Brasil.
Mas sendo um pouco justo com os críticos, talvez esse problema tenha surgido, pois alguns psiquiatras pioneiros incutiram no público essa espécie de ligação entre crença religiosa e saúde mental ruim, baseados não em dados empíricos, mas sim em opiniões pessoais e em suas experiências como clínicos, tratando de doentes e não convivendo com pessoas normais. Os psiquiatras então tendem a ser menos religiosos e não recebem treinamento para lidar com questões religiosas dos pacientes, daí, têm também mais dificuldades em entendê-los e menos empatia [7]. Isso também pode ser ruim para o Brasil.
Com sua intuição genial, Charles Darwin, criador da teoria da evolução há 150 anos, já havia registrado ideia semelhante no livro A descendência do homem, em 1871: “Uma crença em agentes espirituais onipresentes parece ser universal”. “Somos predispostos biologicamente a ter crenças, entre elas a religiosa”, diz Jordan Grafman, chefe do departamento de neurociência cognitiva do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame. Grafman é o autor de uma das pesquisas mais recentes sobre o tema, publicada neste mês na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.
Andrew Newberg, neurocientista da Universidade da Pensilvânia - EUA, que estuda as manifestações cerebrais da fé há pelo menos 15 anos, descobriu que as práticas religiosas acionam, entre outras regiões do cérebro, os lobos frontais, responsáveis pela capacidade de concentração, e os parietais, que nos dão a consciência de nós mesmos e do mundo. Em seu novo livro, How God changes the brain (“Como Deus muda seu cérebro”), que será lançado nesta semana nos Estados Unidos, Newberg explora os efeitos da fé sobre o cérebro e a vida das pessoas. Segundo o neurocientista, os estudos anteriores olhavam para os efeitos de curto prazo de práticas como a meditação e a oração. Agora, ele e seu grupo encararam a difícil tarefa de responder à questão: o que acontecerá se você adotar, com frequência, uma prática como a meditação ou a prece?
Ainda estão sendo feitos estudos para compreender melhor a meditação e a prece, mas a pesquisa de Newberg mostra que, durante essas atividades, o lobo frontal fica mais ativo, e o lobo parietal menos. Como essa parte do cérebro é responsável pela noção de tempo e espaço, “desligá-la” geraria a sensação de imersão no mundo e a de ausência de passado e futuro muitas vezes relatadas por religiosos. A maior atividade do lobo frontal, além de melhorar a memória, segundo vários estudos também estaria ligada à diminuição da ansiedade. “Quando a pessoa volta sua atenção para o momento presente, não há riscos porque não há futuro”, diz Paulo de Tarso Lima, médico especializado em medicina integrativa e complementar e responsável pela implantação da especialidade dentro do Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O simples fato de acreditar em um ser superior – seja ele qual for – reduziria a ansiedade.
Para ser benéfica, a fé em Deus teria de ser associada à prática religiosa? Várias pesquisas mostram que participar de um grupo religioso estruturado – seja ele católico, budista, judeu, evangélico, umbandista – traz benefícios por aumentar o suporte social à pessoa. “Esse apoio social é algo extremamente valioso para a saúde física, inclusive para a sobrevivência e a longevidade”, diz o psicólogo americano Michael McCullough, professor da Universidade de Miami que estuda a maneira como a religião molda a personalidade e influencia hábitos saudáveis e relacionamentos sociais. Ao realizar um “metaestudo” de 42 pesquisas diferentes, o psicólogo descobriu que as pessoas altamente religiosas tinham 29% a mais de chance de estar vivas, em determinado momento do futuro, que as demais. A religiosidade tornaria mais fácil resistir a tentações nocivas à saúde, como o álcool e o fumo. “Para pessoas que acreditam na vida após a morte, pode ser uma decisão racional postergar os prazeres de curto prazo em nome da recompensa eterna”, afirma McCullough.
Robert Hummer, sociólogo e professor da Universidade do Texas, acompanha um grupo de pessoas desde 1992 para tentar esclarecer, entre outras questões, a relação entre a religião e a saúde. Segundo sua pesquisa, quem nunca praticou uma religião tem um risco duas vezes maior de morrer nos próximos oito anos do que alguém que a pratica uma vez por semana. “As evidências da influência da fé na saúde são promissoras e mais que justificam o investimento em outros estudos”, afirma o neurologista brasileiro Jorge Moll, diretor do Centro de Neurociência da Rede Labs-D’Or, rede de laboratórios particular do Rio de Janeiro. Para Moll, o desafio é quantificar a influência da fé e tentar compará-la com o efeito de outras práticas sem conotação religiosa. “A prece e a meditação podem ter vários benefícios. Mas será que a ioga não tem o mesmo resultado?”, diz Moll, que colaborou com Jordan Grafman em vários estudos sobre o funcionamento do cérebro na tomada de decisões morais.
Um comentário:
Olá Luiza
Gostei muito de seu blog. Assim como vc, sou dada a "xeretear", garimpar conhecimentos. Vc tem ótimos "achados".
Valeu pelas pesquisas.
Um beijão
Adriana Ranieri
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